terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Devaneio

Eu não gosto, mesmo, de sabores muito intensos, especialmente os picantes. Aqueles amendoins temperados estavam explodindo em minha língua e palato a ponto de eu precisar aliviar a sensação com largos goles de cerveja. Minha boca queimava e minha cabeça começava a rodar. Era como sentir o gosto do vermelho. Até meus dedos estavam tingidos de urucum. Mas eu precisava sentir alguma coisa. Uma intensidade qualquer que não fosse dor ou solidão...
Já eram nove ou mais. Chovera. Era só mais uma noite de abandono. Eu não me embriagaria, mas queria, ao mesmo tempo, sentir e não sentir. Diminuir o sofrimento e aumentar o prazer. Um analgésico euforizante. Mas eu não iria tão longe. Quero um prazer sem culpa. E sem mais dor no final.
Então vejo um filme no qual possa mergulhar com a cabeça tonta de fermentações e a boca quente com o beijo dos condimentos.
A solidão não é uma ausência. Estou tão só, mesmo opressivamente rodeada de pessoas, quanto agora, sem ninguém. Solidão é outro vazio. Intangível. E porque o sinto, mesmo acompanhada, é preciso entorpecer os olhos, e não adormecê-los. É preciso ver os dois mundos ao mesmo tempo e conduzir o sonho, experimentando sensações: devanear.
Seja num rito fúnebre aborígene, seja na histeria coletiva dos cultos ou torcidas, seja no porre homérico, ou no auto flagelo... Em qualquer ambiguidade que nos confirme no estado de existir.

2 comentários:

Priscila Lopes disse...

a solidão é assim,
às vezes nos embriaga.

Lírica disse...

Então, Priscila... ainda mais essa solidão de intersubjetividade, né? ainda bem que tem os blogs pra nos consolar.
Obrigada pela visita e comentário