domingo, 24 de janeiro de 2010

Moeda de Troca

Consome a minha mente um amor complexo, cheio de desprezo e ódio, entrelaçado em saudades e paixão. Mas logo se resfria numa indiferença mórbida. Tão cruel que eu mesma me apiedo do objeto desse amor e, cheia de compaixão, submeto-me apaixonadamente.
Esses fluxos se alternam entre os meus pensamentos, sentimentos e gestos sem qualquer regra ou regularidade. Sem padrão ou sem fazer sentido. Novos e atordoantes até para mim mesma, de modo que amo o que ignoro e abomino o que admiro, e ignoro o que idolatro. Passo a gostar do silêncio e da solidão. As vozes, os risos e as canções me soam como chiados e atrapalham os pensamentos que eu nem faço caso de ordenar.
Sinto o tempo a fluir e sinto gozo em apenas expectar. Sem linguagem, só sensações. Por fim, enfada-me a paz, a liberdade e a solidão. Quero cores e movimentos e vejo além das aparências. Flagro-me em solicitudes e considerações das mais sublimes às de comadres.
Pareço avassalada por sensações. Por isso exaure-me qualquer coisa. É como se a casca desgastada expusesse o âmago. Como ferida aberta, os nervos à flor da pele.
Entendo a dor de todo ser humano e por parecer-me tão vívida, esta dor, e sentida em mim mesma, sinto preguiça de todos e acho-me, eu mesma, enferma e carente de repouso e conforto, e de amparo e proteção.
Ser o si mesmo e a imagem de si. Eis o que a vida me solicita. Vejo-me no bom e no mau, no amplo e no opressivo, no claro e no escuro, na dúvida e na certeza. Na integridade e na ambivalência. Sou peixe e sou pescador.
Vejo-me borrada nos campos varridos pelos ventos dum pincel frenético. Próxima tela, sou eu serena e exata no traço barroco. Depois, natureza morta.
Sou tão desprezível que sinto dó de mim. Tanta dó que me cerco de mimos e adulo-me até tornar-me enfatuada, inchada de orgulho e prepotência, audácia e impaciência. Então volto a me entregar ao desprezo. E é por ter duas faces e todas estas facetas, e uma liga indelével de precioso metal, que me atribuem valor.

3 comentários:

Victor Meira disse...

É lindo, lindo! O respiro da contemplação, toda a beleza à sua volta, todas as fluências, descanso dos sentidos, desprezo, desinteresse pelas coisas.

Esse texto é lindo demais.

"Ser o si mesmo e a imagem de si"

e

"Sou peixe e sou pescador. Vejo-me borrada nos campos varridos pelos ventos dum pincel frenético. Próxima tela, sou eu serena e exata no traço barroco. Depois, natureza morta"

e

"As vozes, os risos e as canções me soam como chiados e atrapalham os pensamentos que eu nem faço caso de ordenar. Sinto o tempo a fluir e sinto gozo em apenar expectar. Sem linguagem, só sensações."

e

"Quero cores e movimentos e vejo além das aparências. Flagro-me em solicitudes e considerações das mais sublimes às de comadres."

Muitas coisas lindas.
Arrebentou!

Victor Meira disse...

Até twittei esse texto.

Lírica disse...

Poxa, valeu! Esse foi forte mesmo!