terça-feira, 15 de setembro de 2009

A Secretária.

Depois da escada em caracol, desbravando os robustos arbustos do jardim enclausurado em grades grandes, altas, antigas, chego à varanda alta e dou com a porta com moldura de vidro, mas um cortinado champagne fransido, opaco escondia o lado de dentro no lado de dentro. A arquitetura toda era uma viagem no tempo e a rua era muito escura e cheia de árvores centenárias e sinistras. Toquei a campainha e veio-me atender uma medusa de imensos cachos escuros e ar funéreo, olhos negros e desconfiados, sobre olheiras cianóticas.
_ Olá, boa noite. O Dr Lúgubre está à minha espera.
_ Pois não. Há uma sala de espera no segundo piso.
_ Obrigada. Com licença. Ah, Dr, como vai?
Ele me cumprimentou timidamente e encaminhou-me à sua sala. Assentou-se à minha frente, fungando e assoando num lenço de papel. Era um aposento até modesto. Não: sóbrio. Irritou-me estar na penumbra. Era uma reunião, não uma ciesta! Por que não se acendem as luzes? Eu estava ridiculamente ofegante depois de dois lances de escadas. Mas aquela luz de abajour remetia a uma cena do século XIX. Pensei no penteado rococó da senhora no andar de baixo. Tentei me concentrar e fui tomando nota de tudo, meio sem prestar atenção em nada do que era dito, até ser surpreendida com a abrupta interrupção.
_ Então é isso, você prepara tudo e me envia por e-mail, então nós vamos conversando...
_ Ah, claro... Bem, eu gostaria de fazer mais algumas perguntas...
_ Infelizmente não poderemos nos prolongar nesta conversa, eu tenho um compromisso...
_ Ah, mil desculpas. Eu entendo. Vou preparar o material e envio... Bom, boa noite e muito obrigada.
Quando dei por mim, estava indo embora, descendo a escada que dava para o jardim, sem entender direito o que havia acontecido ali. Foi tudo tão rápido! Apenas algumas orientações objetivas e simples, e logo fui dispensada, sem mais? Ora, pra quê me fazer vir até aqui a esta hora? Pra isso? Bastava que nos assentássemos na lanchonete do instituto, ou numa das salas de reuniões, e tudo estaria resolvido em cinco ou dez minutos. Essa gente importante adora tornar tudo mais complicado e misterioso. É tudo uma grande exibição de poder, mal disfarçada em um mis an cene de "nós viemos de um planeta distante há uns trinta anos e estamos disfarçados de imbecis humanos com a missão de iluminar este pobre mundo de trevas com nossos reluzentes intelectos"... Detalhe: cenário e guarda-roupas totalmente vintage, que é pra dar o tom 'não estou nem aí para futilidades'. Eles ainda acham que caretice é chique e cult.

Um comentário:

Victor Meira disse...

Que conto legal, doidão, haha. Tem nonsense e um tipo de humor que é ótimo. Achei muito legal o "nós viemos de um planeta distante há trinta anos" hahahaha.

Legal.