Por que se importar com ela? Não pareceia haver nada de especial. Nem gorda, nem magra, nem feia, nem tão bela... Apenas uma mulher de meia-idade. Sei lá... uns quarenta e cinco. Sempre muito ocupada, mas simpática. Parecia feliz, mas alguma coisa nela me parecia íntima. Um incômodo se somava a esta sensação. Não tínhamos qualquer parentesco, mas eu via algo naquela mulher tão familiar... Eu me identificava com ela por alguma razão que eu desconhecia e que me causava medo.
Durante muito, muito tempo não nos encontramos. Por essas circuntâncias cotidianas... desecontros. Porém certa noite fui acometida de um súbito mal-estar. Uma forte dor de cabeça, com náuseas. Sem um analgésico em casa, já tarde, atrevi-me a buscar auxílio na vizinhança. Bati à porta e ela me atendeu surpreza, mas solícita, com aquele habitual sorriso. Não só me serviu um chá e um comprimido, como me preparou um escalda-pés e me deixou muito à vontade em sua melhor poltrona. Quando percebeu que a minha dor cedera, sentou-se diante de mim e conversamos longamente.
Um cheiro muito suave e agradável exalava de suas mãos enquanto ela massageava a minhas. Parecia uma dessas loções "mamãe-bebê". Ela falava, mansamente, como as tensões emocionais fazem nossos músculos se contraírem, causando enxaquecas. Percebi, então, que ela tinha traços muito belos, um olhar incisivo e decidido, e cabelos escuros que lhe davam uma moldura intensa ao rosto. Seu sorriso era, no entanto, muito maternal. Sim, esta é a palavra. Por isso inspirava sempre tanta simpatia. Ela poderia ser minha mãe. Pela idade, quero dizer. E por tudo o mais.
Despedi-me muito agradecida pelos cuidados dispensados e voltei para casa aliviada. E intrigada pela lembrança de como a imagem daquela mulher me incomodara no passado. Eu me identificava com a sua figura, mas vê-la era como... como ver-me mais velha! Sim! Por isso eu sentia tamanho incômodo! E por tanto tempo guardei aquela impressão sem sequer compreendê-la...
Foi preciso estar mais próxima; vê-la de perto e sentir o efeito de suas virtudes para que pudesse apreciar a sua beleza e não sentir mais temor.
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Um comentário:
Tô impressionado e enigmatizado.
Legal. É meio Poe, meio Zweig.
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