A vida vai escorregando entre dias e noites, cheia de vazios, cheia de sonhos e pesadelos, cheia de perdas ou ganhos... mas vai passando. Um dia, sem mais nem menos, às vezes às custas de qualquer bagatela, uma lembrança fugaz nos assalta e remete ao mais remoto passado. Um passado nebuloso e rarefeito, cheio de lapsos, aos retalhos, romântico...
Ouvíamos um velho samba regravado por novos cantores quando deti-me a escutar o som plangente do cavaquinho. Lembrei-me do meu avô já velhinho sentado à beira do seu velho sofá na sala de visitas da casa de inetrior, portas e portões franqueados, janelas abertas, sem medo para a tarde que findava. Enquanto as mulheres cuidavam da janta e as crianças corriam na calçada, o velho Jojé Amâncio lançava mão de seu cavaquinho e dedilhava canções tristes...
Era um homem de porte avantajado, rosto redondo, sobrencelhas curtas, cútis mulata, olhos sofridos e mãos calejadas de pedreiro aposentado que tirava uns trocados como barbeiro na varanda mesmo, de casa. Onde aprendera a tocar aquele instrumento ínfimo em seus braços enormes? Eu era pequena demais, criança demais para me preocupar em perguntar...
Então me dei conta de quanta vida vivera antes dos meus filhos. Há tanto que sou mãe que às vezes pareço nunca ter sido outra coisa. E eles nem conheceram certas personagens distantes do meu passado. Nem conheceram seu bisavô que tocava cavaquinho... ou a minha bisavó, que era mulher rendeira... Meus tios que trabalhavam na Rede Ferroviária do Brasil. Ou mesmo o meu pai que era agente especial das forças armadas... Meu padrinho de casamento, prefeito de uma cidadezinha bucólica às margens do rio São Francisco, tantas vezes ameaçada pelas tropas cangaceiras de Lampeão!
Tudo isso é tão remoto, mas é tão pertinente à minha história como os tijolos sob o reboco do edifício da minha identidade.
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