segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Síndrome

Entrou no consultório suarento e ofegante como de costume. Foi tirando seus papéis ensebados dos bolsos, a carteira, o celular, o molho enorme de chaves e algumas moedas soltas. Batia nas calças e no peito, checando se deveria se despir de algo mais antes de subir na balança.
_ Inútil, sr Fausto. A balança só pesa até 150 quilos e o senhor continua acima disto.
_ Mas eu estou fazendo a dieta e tomando os remédios direitinho!
_ E as caminhadas, tem feito?
_ Sim!_ Ele afirmava categoricamente, balançando a cabeça enorme e fazendo respingar suor das papadas ululantes sobre a mesa. Os olhos sempre esbugalhados pareciam mais aterrorizantes quando ele enfatizava o que dizia.
Eu não sabia mais o que oferecer como tratamento a um mentiroso contumaz que já havia sido expulso do grupo de cirurgia bariátrica, grupo do protocolo que prepara pacientes obesos mórbidos para a redução de estômago. Ele não cumpre dieta de emagrecimento sob nenhuma pena. Mesmo sendo diabético, hipertenso e muito, muito feio!
A mulher o largou. Nem é preciso perguntar porquê. Vive de dirigir um taxi, mas não agüenta trabalhar muito. As pernas inchadas e varicosas lhe doem. Quase já não cabe dentro do carro, ao volante. Fica difícil até para respirar.
Para dormir precisa se acomodar quase sentado ou tem o sono inetrrompido com freqüência pela apnéia do sono.
Cheira mal devido a assaduras e micoses nas dobras de pele.
Vem a todas as consultas, assiduamente, buscar suas receitas e jamais demonstrou qualquer desânimo com o tratamento mal-sucedido. Mostra-se bem educado e motivado. Sempre. E mente. Sempre.
Resolvi encaminhá-lo ao psiquiatra para uma abordagem mais comportamental do caso. Ele disse que marcou consulta. Mentiu de novo- O psiquiatra do serviço tirou licença- Mas ele garante que a consulta está marcada.
Outro dia uma paciente que o sucedeu em consulta me contou como ele devora espetinhos de carne quase crus, um após o outro, vorazmente, quase todos os dias na barraquinha próxima à parada de taxi.
A saúde pública do município oferece a esse indivíduo: consultas, medicamentos, cirurgia, psicoterapia, ginástica e exames periódicos, tudo gratuitamente. E em cinco anos de tratamento ele não perdeu um grama sequer.
Ele não é uma raridade. Pelo contrário. É um exemplo típico nos serviços públicos. Parece pensar que a sua saúde vale tanto quanto lhe custa seu tratamento.

2 comentários:

Victor Meira disse...

Caaaaaaaara!
Esse texto é animal!!!

Unknown disse...

Qualquer comentário seria injusto pra essa descrição fantastica dessa alma "ficticia "triste !Porém .........fiquei fascinada com sua forma de descrevê-la !Sempre tão espirituosa !Beijus