terça-feira, 3 de agosto de 2010

As Três Faces da Humanidade

O homem natural encontra-se na sua forma mais tenra e incipiente. É feito de puro desejo e vive unicamente pelo e para o prazer, ainda que autoerótico. Sua economia se baseia em acúmulo e descarga. E por seu ainda precário desenvolvimento tem pouca percepção de seu entorno e poucos recursos para se expressar, fazendo-o sobretudo em forma de descarga muscular para alívio dos estímulos internos e externos acumulados em seu corpo. Por suas parcas noções, vive apenas pela própria sobrevivência, lutando pela mesma, violentamente. Luta, defesa, e egocentrismo são suas marcas, pois vive apenas o seu próprio fenômeno, tão alheio à alteridade que chega a supor que aqueles que lhe dão suporte não passem de uma continuidade ou extensão de si mesmo. Diante do exposto não parece tão absurdo supor que os impulsos violentos e até destrutivos que descarrega, em parte retornem para si, constituindo uma espécie de masoquismo__ ou a base do mesmo. A psicanálise entende esse processo como um circuito de energias psíquicas e físicas pulsionais. Porém, mais que ontologicamente irrefutáveis, tais observações trazem luz sobre a nossa filogenia. Do que chega ao nosso conhecimento atual sobre os hábitos e crenças de povos primitivos, deduzimos que, indiferente de sua origem geográfica e racial, seu comportamento era delineado pelo princípio de prazer e, no máximo, pelo de sobrevivência. Muito raramente exibindo indício de qualquer refinamento científico ou mesmo emocional, ainda que expressassem habilidades artísticas e religiosas, o que não é de todo inesperado, uma vez que a sublimação é processo compensatório bem próprio e característico do temperamento narcísico.
Durante séculos, povos vários viveram de modo primitivo, cultivando alimentos para subsistência, caçando, pescando, guerreando. Muitos dentre esses desapareceram, outros evoluíram em conhecimento.
O conhecimento é exatamente o que nos remete ao segundo estágio:
O homem racional. Além do entendimento dado pela intuição, o homem adquire através dos tempos e de seu desenvolvimento pessoal, por meio da observação, o conhecimento científico e o aperfeiçoamento do seu caráter na medida em que se organiza socialmente. O homem do conhecimento aprendeu a controlar muitos de seus impulsos volitivos e postergar o prazer em função de sobrevivência ou da promessa de um prazer maior ou mais duradouro. Tal homem não é mais objeto da pura vontade, mas compreende a reação em cadeia que vai do fundamento à consequência; não só a compreende como a controla pela apreensão das idéias e mudança de atitudes de acordo com as necessidades. Observa, reflete, experiencia, reflete... Não só quer o que conhece, mas conhece o que quer e agora se conhece pelo que quer. Delineia seu caráter pelo comércio com o mundo e descobre o prazer do uso das próprias faculdades. É ciente de suas limitações, mas descobre o tédio. Vive o conflito entre o desejo e o conhecimento. O homem reflexivo antecipa o futuro e amplia seu sofrimento por meio das representações. Descobre o gênio, mas sacrifica a paixão. Sua vida é constante desassossego e excitação. Alternância de preocupação e tédio. Conhece regras, leis, justiça, ética, ciência... é polido e civilizado, reprime instintos que possam ameaçar sua vida em sociedade, mas vive um constante conflito interno.
Do bojo desse conflito, muito raramente emerge um sábio transcendendo até mesmo os requintes da civilidade, do gênio, e os assaltos volitivos da natureza instintual. Eis, então:
o homem espiritual. Esse homem entendeu, como poucos, que a vontade trai a vida e que viver no fenômeno da própria existência atendendo apenas aos seus desejos, o consome e nunca o realiza totalmente, mas antes, ameaça destruí-lo. Assim, o homem espiritual entende e reconhece que é uma parte do todo e não um valor em si mesmo. Para o homem do puro conhecimento, destituído de desejos já não há morte, nem dor, nem necessidade alguma, pois não conhece mais egoísmo algum. E, para ele, a vaidade é nulidade. O homem redimido não se preocupa com perdas porque entende a ciclicidade da vida. Não tem medo ou inveja, antes enxerga o OUTRO e o põe adiante de si mesmo justamente porque o vê. Ele sabe que o fenômeno individual de sua vida não é nada sem o todo do qual faz parte e pelo qual jamais deixará de ser, ainda que não mais exista. Como seus desejos egoístas pereceram, o homem redimido vive para o altruísmo. Não conhece desespero, pressa ou violência. Para ele o véu de Maia já caiu. Por isso não tem mais ilusões.

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