A cabeça pendeu do sofá depois de horas tediosas. Mas não dormia. Tinha as pálpebras cerradas, mas ouvia. Ouvia o sussurro que vinha do outro quarto. Era o de sempre: queixas, acusações, reclamações, calúnias. Aquilo não cessava nunca!
Pegou o copo usado, levou-o até a cozinha, abriu a geladeira no meio da escuridão, mirou a garrafa d'água, mas preferiu um pouco mais de coca. Não iria, mesmo, dormir até que tudo acabasse.
Voltou para a sala, advinhando o caminho na penumbra e despencou sobre o sofá. A TV ainda murmurava em francês uma tragédia qualquer, lenta e densa como a madrugada.
Os ruídos se confundiam, mas os do quarto eram mais intensos. Entoavam a mesma ladainha acusatória há anos. A voz empastada, melancólica... Falava com rancor e mágoa. Falava dela.
As horas passavam. O filme acabou. A noite acabou. As vozes calaram. O sono, finalmente chegaria e teria seu lugar por umas duas horas até o sol e o despertador acenarem com mais um dia.
Era penoso levantar-se assim, exausta. Mas uma boa ducha haveria de animar-lhe o espírito e uma xícara de café faria o idílio do dia um refúgio desejável, seguro.
Os dias eram providencialmente intensos. Cansativos, cheios de compromissos.
Voltava para o pequeno apartamento no subúrbio e recolhia-se numa solidão dura e tão constante quanto o tempo. Não importava aonde fosse, ou que tivesse amigos... Quando se recolhesse sozinha, assim que reclinasse a cabeça para descansar, aí começaria tudo outra vez. Ela sabia de onde vinha, mas nada podia fazer.
Mesmo que não fosse tão só. Mesmo que houvesse alguém ao seu lado, apenas ela podia ouvir a velha voz acusadora.
Aquelas palavras lhe soavam tão familiares que se tornaram a sua identidade. De insuportáveis, passaram a previsíveis, e eram tão regulares e constantes que agora pareciam necessárias. Como uma companhia certa, delimitadora de um lugar interno do qual cada vez mais se apropriava.
Sua expectação já se transformava em ingrediente indispensável. Uma excitação cuja descarga traria alívio.
Deitava-se, sistematicamente, em seu sofá, apenas esperando o momento em que, vencida pela exaustão, entre devaneio e delírio seria assaltada pelo mantra que atravessava todas as paredes do tempo. Era penoso, mas, afinal, era o dito paterno. A única bênção. A ferida que a tornava um sacrifício vivo e santo. Ungida de escárnio por tão suprema autoridade, podia, então, descansar em paz.
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