Seria exagero dizer que Sofia não tem fé. Ela é até muito crédula. Mas sente que, de algum modo perdeu a fé em si mesma. Confia em seus critérios práticos, seus raciocínios lógicos e nas suas condutas profissionais. Confia em suas responsabilidades para com a familia, trabalho... mas sente que há algo em si que não é nada fácil de controlar. Ímpetos. Como quando sabe que pode ultrapassar um caminhão lento à sua frente, mesmo quando ninguém mais em são juízo o faria. Ela calcula milimetricamente essas situações e ama a sensação de êxito que sente após tirar um fino e ganhar a psita livre à sua frente. Odeia obstáculos. Sofia também sabe que tem dificuldadades em controlar suas finanças, seu apetite, sua libido. Não que seja dessas shoppaholics compulsivas, ou obesa, ou mesmo ninfomaníaca. Mas ela odeia mesquinharias. Ama a fartura e gosta de tudo do bom e do melhor. Até checar o saldo ou receber as faturas... Então sente asco de toda essa gastança e deseja profundamente desapegar-se das coisas materiais, viver uma vida de monge, com simplicidade, rigor e até reclusão. Dia desses pensou consigo: eu nem estou a fim de sair... Mas saiu. Comeu, bebeu, gastou e voltou para casa se sentindo ridícula. Tola. Culpada... Foi a í que lhe ocorreu: "É exatamente isso! É disso que eu preciso! Preciso da culpa. Ela é o meu freio. Só quando me sinto miserável é que me vem a motivação para mudar. Por isso estou sempre voltando ao mesmo erro, caindo na mesma cilada, odiando-me e me arrependendo amargamente, para então me redimir e desejar ser uma pessoa melhor. Mas basta surgir uma nova oportunidade de inflingir, ultrapassar, quebrar regras, desafiar... e lá estarei eu novamente!".
"E agora? O que será de mim? O que farei com essa terrível descoberta? Agora que sei de tudo, como poderei ludibriar a mim mesma?"
Sofia nâo podia dormir. Rolava na cama, insone... Dividida. Por um lado, feliz com o insight sobre si mesma. Por outro, como se estivesse num corpo estranho... ou como se fosse o seu corpo com uma mente estranha, nova... Uma possessão que parecia rir dentro de sua cabeça, zombando de sua vida inútil. Parecia que seu cérebro havia sido deposto por incompetência e dado lugar a um outro mais esperto que ficaria atento e vigilnte e se imporia sobre a sua vontade com uma vontade maior.
Sofia não se deu conta, mas estava outra vez capturada por seu ego sedutor que forjava um comportamento esquizóide para... apenas para que ela se sentisse tão vitimada que fatalmente se encheria de autopiedade e cairia em tentação, cedendo aos impulsos mais extremos.
Sua mente oscilava como um pêndulo entre autocomiseração e autopunição, mas não encontrava um meio termo. Oras era austera, disciplinada, irrepreensivel. Oras, farrista, inconsequente, obsessiva, e até cruel.
Fez votos, assumiu compromissos, organizou passo a passo o orçamento, dedicou-se de corpo e alma ao trabalho, procurou ocupar-se integralmente para que não lhe sobrasse tempo ocioso. Foi como entrar para as forças armadas. Enquanto estava assim, tudo ía bem com seu espírito. Sentia-se bem consigo e com os demais. Bem, com os demais, nem tanto... Mas quando estava feliz e em paz, eis que sua mente relaxou e seu espírito folgou.
Não demorou para que se achasse de novo em meio a devaneios e ímpetos destrutivos, ruminando desejos escusos. De pronto, percebeu o embuste e odiou a si mesma. Tudo em um lance. Não passou ao ato. Nada fez de censurável... mas pode ver que o verme da corrupção não morrera em si, apenas estivera adormecido...
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Um comentário:
Nossos piores virus não morrem não. O único jeito é botar de quarentena. Engraçado: meu último conto lá no Quadrado conversa aqui com esse.
E vírus, mesmo em quarentena, não morre de inanição. Acho que os piores vírus não morrem.
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