sexta-feira, 8 de maio de 2009

A Saga de Gèrard_ Terceira Parte.

Arrastavam-se os dias, monotonamente entre os cômodos da velha casa. Para Gèrard pouco se lhe dava... Ele não fazia distinção entre os dias. Vivia intensamente ocupado em seu mundo particular. E tentava partilhá-lo com sua mãe, tamanha a indiferenciação entre ambos. Seus devaneios, no entanto, íam-se tornando nebulosa falácia para a senil senhora. Fatigava-a, por vezes, acompanhar o filho em odisséias tão mirabolantes. A audição, bem como outros sentidos frequentemente falhavam e a alienavam.
Ironicamente, Gèrard teve que contemplar o afastamento progressivo e irremediável de sua genitora. Em vez de ele mesmo diferenciar-se, rebelar-se, descolar-se da figura materna em sua infância, era a pobre e agastada anciã quem fazia agora as vezes de filha, rebelando-se e impondo um distanciamento emocional desesperador para o filho.
Gèrard já não podia contar com as mordomias e mimos maternos. Tudo se invertia! Ele tinha que prestar cuidados e preocupar-se com o bem-estar da mãe... estar atento às distrações da mesma, pô-la na cama... Às vezes tinha que alimentá-la. Ora, vejam! O egocêntrico e temperamental Gèrard, sempre tão mimado! Agora era quase um pagem.
A franzina senhorinha, já muito dependente do único filho, morrera em seus braços, serenamente, numa tarde outonal.
Gèrard estava agora completamente só. Quem lhe misnistraria os seus remédios?... Repentinamente deu-se conta que há muito não tomava tais psicotrópicos. Tinha que estar alerta e vigil, para cuidar da mãe enferma. Deu-se conta de muitas outras coisas, desde então! Tinha agora quarenta e cinco anos! Era um artista, tinha cultura e meios de subsistência suficientes, mas vivia como um inválido...
Era como despertar de um prolongado coma. Gèrard passara pela vida num transe. Não havia, até então vivido, de fato, mais alucinado um existência fantasiosa.
Então, após repassar sua própria história, mil vezes, na memória e oscilar entre os mais inusitados afetos, e após vasculhar documentos, consultar advogados e contadores, procurar velhos amigos e conversar com alguns familiares, Gèrard estava pronto para começar a viver a sua própria vida. Não como rei ou herói... nem mesmo como um sábio idealizado... mas do iníico. Como aprendiz, soldado, artífice...
Não entre as muralhas fortificadas de um castelo de sonhos, mas solto e só no mundo real.

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