quinta-feira, 7 de maio de 2009

A Saga de Gèrard_ Primeira Parte.

Gèrard fungava e coçava o nariz enquanto esperava abrirem a loja para que ele pudesse ser o primeiro a levar aquele exemplar novinho. Imaginava a preciosidade reluzindo diante de seus olhos ávidos, as páginas estalando entre seus dedos, os gráficos perfeitos, o colorido inusitado... Sim, tudo correspondia às suas expectativas. O lugar na estante já estava preparado para esse pequeno e frágil tesouro. Gèrard o leu, cuidadosa, mas ansiosamente. Parecia-lhe urgente depositá-lo em seu lugar entre as outras revistas. Como se elas desejassem dar as boas vindas ao "recém-nascido".
Pronto. Cada coisa estava agora em seu lugar no microcosmo daquele quarto muito limpo e organizado. Até seu dono estava ems eu devido lugar, a cara redonda grudada em outras folhas: as dos livros. Era a hora de estudar e fazer as tarefas. Menino exemplar!
Fora de seu reinado de alcova, também era rei. Um menino tão belo e meigo que encantava. E que inteligência! Quase não dava trabalho aos pais. A não ser nas crises... Não é um assunto agradável de se comentar, a mãe, aflita, evitava tecer comentários. Apenas agia decidida e competentemente, indignada por tal sorte. "Ora, aonde já se viu? Uma criança tão maravilhosa não merece tal estigma!"
Era mesmo de admirar, mas não raro, e sempre após um aborrecimento mais intenso, Gèrard se transfigurava numa criatura grotesca. Seus olhos graúdos desapareciam sob as pálpebras emaciadas. Os lábios injetados pareciam bolhas rosadas prestes a estourar. O corpo todo em placas rubras que não cessavam de coçar e queimar. Gèrard agonizava. A respiração ía-lhe ficando ofegante e ruidosa.
Um séquito de zelosos cuidadores corriam em seu socorro, prontamente. A avó, deslentada, acariciava-lhe os cabelos, fazia compressas e em lacrimosas orações, votos e promessas. O pai, medicava-o com dextreza e parcimônia. A mãe andava de um lado para o outro, como se procurasse resposta para tal enigma, uma mão na cintura, outra na fronte, meneando a cabeça.
Passado o susto, Gèrard ía recuperando as feições doces e calmas. Sorria conformado e agradecido. Crescia bem cercado de amor e zelo. Nada o podia atingir.
Gèrard cresceu entre as muralhas fortificadas de um lar austero e vigilante, como um príncipe... ou um monge enclausurado.
Mas se era príncipe, era também guerreiro, superando-se a si mesmo. Logo, precisava de uma armadura, e de uma espada! E de um cavalo! E de soldados! De um exército!
E se era monge, deveria se sacrificar, ser perfeito, irrepreensível! Sábio! Sensível!...

Um comentário:

Victor Meira disse...

Putz. Meu estômago deu uma embrulhada ao fim da leitura. Quero ler as outras partes, mas sinto algum temor.

Caramba.