domingo, 1 de fevereiro de 2009

Julgamento.

_Você sabe onde está?
Eu não sabia, realmente, mas ao ver aquela imagem diante de mim, esperei pelo pior. Era um grande homem grisalho, com olheiras enormes e uma voz arrastada e grave, cheia de enfado. Sua roupa estava puída e ele usava uma touca engraçada. Não sei porque, consultava o relógio com frequência e me fazia perguntas como se falasse com um retardado ou pelo menos alguém bastante desorientado.
_Não estou bem certo. É um hospital?
_Sim, um hospital.
_Onde? Onde estamos? O que aconteceu?
_Não faço idéia. Esperava que me dissesse, mas quanto ao lugar, bem... Um lugarejo bem remoto mesmo.
_Como vim parar aqui?
_Pode-se dizer que você nasceu aqui, meu jovem. Pelo menos depois de ter morrido.
_Eu morri?
_ Tecnicamente...
_Como assim?
_Teve parada cardíaca, tivemos que ressussitá-lo, blá, blá, blá... Ficou em coma por um tempo...
_Quanto tempo?
_Bastaante tempo. Você foi encontrado próximo daqui sem qualquer identificação. Aparentemente sem ferimentos, mas desidratado, bastante sujo e desnutrido também. Demos-lhe os primeiros cuidados, mas você teve uma infecção grave, septicemia e parada cardio-respiratória. Revertemos o quadro, mas você ficou em coma. Até hoje. Estamos felizes que esteja de volta.
Aquilo tudo parecia ser uma piada de muito, muito mal gosto. Tentei levantar, mas percebi que estava atado ao leito e minhas pernas não reagiam. Tentei lembrar meu nome. Nada. Nem do meu rosto eu lembrava.
_Quem sou eu? Não me lembro de nada!
_Como eu disse, não encontramos qualquer identificação, inicialmente. Então pedimos ajuda à polícia e depois de algumas investigações soubemos que suas digitais eram as de um... foragido.
_Você deve estar de brincadeira comigo... Então eu sou um bandido? É isso?
_Calma. Calma. Chega de informações por enquanto. Está tudo bem. Você teve um segundo julgamento enquanto estava em coma. E foi absolvido.
_Que loucura é essa? Absolvido de que acusação? Volta aqui! Onde você vai? Não me deixa aqui falando sozinho!
De repente a minha voz pareceu se diluir entre outros ruídos como os dos aparelhos em torno de mim... Um névoa envolveu todo o lugar e eu caí num sono profundo. Acordei algumas horas depois e estava em meu quarto. Tudo parecia em ordem e igual a todos os dias. Levantei-me um tanto atordoado, chequei as horas e a data. Conferia. Era o dia seguinte. Tudo na mais perfeita ordem.

Um comentário:

Victor Meira disse...

Caramba, fiquei fascinado com a idéia da perda da identidade, figurada no não-conhecer seu próprio nome e seu próprio rosto.

Legal esse conto, viu?