Eu tenho, por hábito, uma marcha célere, mas juro que nessa hora eu tinha outro motivo. Corria para pegar aberta, a agência de um banco. Contra mim vinha um casal de namorados de mãos dadas, passeando placidamente, sem se preocupar com o espaço que ocupavam na alameda movimentada. A minha pressa costumeira me treinou na habilidade de criar estratégias para desviar-me de eventuais obstáculos, mas ressalte-se aqui a importância da pessoa humana_ será isso redundante? Vá lá, quero mais é que redunde_ ao ver o casal, busquei maneira de desviar-me para que não me impedissem a passagem, mas esperei, naturalmente, que enxergando-me_ e não sou dessas de compleição tão delicada_ que eles também buscassem me abrir caminho. Qual o quê?! A garota teve a típica atitude desta região onde, a contra-gosto, resido: desviou o rosto com uma arrogante hiper-extensão do pescoço, mascou de modo acintosamente hiperbólico o seu chiclete, fez um ar de superior indiferença e manteve-se em seu passo lento na minha exata direção, ainda que eu houvesse buscado desviar-me. Faz tempo que essa atitude me incomoda. Ninguém pode fingir que está só enquanto tropeça em outras pessoas. Mas pessoas que não se olham nos olhos, que se ignoram, não parecem, sequer, pessoas. Antes fossem hologramas. Não me entravariam o tráfego.
Hoje eu fiquei, de fato, tão indignada com esta pequena atitude que tive ímpetos de fazer justiça com as próprias mãos: agarrar a sujeitinha pelo pescoço e dizer-lhe: "Não está me enxergando? Pois eu estou aqui e não sou menos do que você para ter que me desviar duas vezes mais para não ser atropelada por sua arrogância".
Mas em vez disso, eis que engoli minha raiva com uma boa dose de civilidade e mais umas gotas de hipocrisia social e tentei me consolar pensando: "crusei com uma adolescente imatura, rebelde e metida. Não vou me rebaixar ao seu nível. Sou adulta o bastante para sublimar..." E segui o meu caminho, resignadamente em direção a uma úlcera, uma crise hipertensiva, mais dores por tensão muscular de estresse, e cada vez menos apreço pela minha condição humana.
Não, não é só isso. Por todo lado somos bombardeados pelo desrespeito. É a fatura que não chega, o sistema que deu pane, as máquinas eletrônicas pifadas, as dezenas de senhas que temos que decorar, o vasamento no andar de cima, o engarrafamento, os juros, a crise, o medo, o cansaço, a burocracia, a incompetência, os traumas... e um zilhão de outros dramas cotidianos que nós inventamos para secanear os outros, mas que os outros também inventaram para nos sacanear, e ninguém se sente culpado, senão vítima, já que não temos mais noção da realidade e só percebemos quem vem em nossa direção e não desvia... e não percebemos porque não desvia de nós: pelo simples fato de vermos, nada mais, nada menos do que a imagem refletida de nós mesmos!
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Oi, descobri seu blog pelo seu perfil no Orkut.
Pois é, esse estado de invisibilidade a que chagamos é, me parece, o resultado da mentalidade "cada um por si".
É incrível, mas os indivíduos não reconhecem mais o outro como uma subjetividade existente, e legítima.
Postar um comentário