Figurava como fina porcelana em delicados tons de ocres e de anis, e com um sorriso de musa ou de diva, os olhos no infinito e um perfil tão nobre como se imune à realidade. Cinquenta e um anos de idade e uma aparência angelical de vinte e poucos. Sabemos bem das artimanhas do fotoshop, mas era de ipressionar, assim mesmo. Era modelo de um artigo sobre os milagres da tecnologia para retardar o envelhecimento. Como eu poderia deixar de pensar, diante do exposto, no rosto das mulheres que a vida faz desfilarem diante de mim, diariamente nas ruas, nos ambulatórios insalubres dos serviços públicos, nas feiras, nas filas, nos bares, e nos saguões, como porta-bandeiras de baldes e ensopados esfregões?
Também me foi inevitável relembrar a imagem sôfrega, porém solícita que nos meus álbuns de família está sempre a sorrir ainda que sem alguns dos dentes, ainda que não negligentemente, e ainda que por algum tempo apenas, até que o parco orçamento pudesse comportar uma visita ao dentista.
É de causar preocupação que a ciência acene com promessas tais, de beleza e jovialidade tão acessíveis nas bancas de revistas e tão impossíveis de estarem estampadas nas páginas vivas das mulheres comuns. Digam-lhes pois que não é para elas. Que não é real, mas mera ficção.
Pois sonhos não se vendem. E nem esse céu tecnológico está ao alcance de qualquer mortal.
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Um comentário:
Muito bom. Me lembrei dos filmes de umas décadas atrás, onde o herói, comumente, tinha lá seus 35, 40 anos de idade - nada de heroizinhos de 20 anos, como nos blockbusters de hoje.
"Imune à realidade" foi brilhante. Invejei a figura, muito boa.
Ótimo texto. É crítica social boa.
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