Era plena primavera. Deveria estar fazendo sol. Mesmo em São Paulo, mas uma frente fria vinda de Santa Catarina resolveu dar uma passadinha pelo sudoeste.
Eu saía da Livraria Cultura com algumas sacolas, ansiosa para chegar em casa, arrancar os sapatos, tirar o relógio-odeio ficar de relógio no pulso quando estou em casa- e me jogar na cama com Dostoievski. Só faltava este, dele: Os Irmãos karamasov. Depois eu prepararia um belo sandwiche para saborear assistindo a um DVD do Hitchcock- Os Pássaros.
Mas antes de poder me deliciar neste exílio cultural aconteceu-me algo inusitado!
Eu deixei a livraria e seguia pela Paulista um tanto apressada porque a ventania ameaçava trazer muita chuva. Porém, antes disso, trouxe outra coisa: senti a pancada na nuca e fiquei um pouco zonza. Ergui as mãos num gesto condicionado e esperei imóvel, tanto quanto o vento me permitia. As pessoas passavam por mim com ar de estranheza, se afastavam e seguiam olhando de soslaio como se vissem uma aberração. O que elas podiam fazer? Eu, resignada, esperava o que o destino me reservava. No entanto, o vento, as pessoas e o tempo passavam e eu não escutava nenhuma ordem, nenhuma palavra de intimidação, nenhuma voz de assalto... Só aquelas garras segurando os meus cabelos por trás e, vez por outra, uma agitação. Como se as garras quisessem se firmar e agitando-se, faziam farfalhar o meu sobretudo. Permaneci quieta, esperando...
Finalmente, um homem de uns trinta e poucos anos, de aparência elegante, que ía passar por mim, repentinamente parou, voltou-se para mim com ar de piedade, e com olhar solícito fez a volta a meu redor, gesto que assisti com surpreza e um misto de alívio e desespero! O que ele faria? Por que se arriscaria por alguém que nunca vira?
Senti quando ele segurou e arrancou dos meus cabelos aquela enorme mão que eu imaginava estar me mantendo submissa. Num reflexo incontível virei-me sobre os calcanhares e vi aquele homem, meu herói urbano desconhecido segurando em sua mão direita e me olhando com um sorriso piedoso, uma pomba agonizante. Uma pomba! Depois de se chocar contra uma parede, com a ventania, ela se agarrara aos meus cabelos com o mesmo ímpeto de alguém que quisesse me subjugar, atacar, assaltar ou o que quer que sugerisse, a minha minha paranóia cosmopolitana.
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