Não sei de onde surgira aquela assombração nefasta... Simplesmente estava entre nós. Como se fosse um dos convidados na sala de estar. Todos os presentes pararam para observá-la. Sinistra, impoluta, cheia de si, mas pretentendo-se movida pela mais profunda compaixão comos se investida da missão de um anjo da morte.
Tinha um enorme rosto anguloso com traços que pareciam ter sido desenhados a carvão formando uma expressão grave e dramática com sobrancelhas longas, em tenda na fronte proeminente; grandes olhos negros muito melancólicos, a boca bem esculpida, de lábios fartos, cabelos muito escuros e lisos. Deslisava ao longo de um corredor encostada à parede, ao fundo da sala, e equilibrada sobre uma larga e funesta sombra um tanto esfumada que sugeria o feitio de um corpo muito obeso, porém volátil, que desaparecia na escuridão depois de pronunciar palavras lúgubres em tom profético. A figura era larga, porém de estatura baixa e atarracada. Falava sobre uma suposta aura de morte. Como se alguém dentre os meus portasse uma coroa nefanda, prenúncio mórbido ou estigma funéreo.
A mancha negra e grande com cabeça humana era misteriosa e etérea. E sumiu de minhas vistas tão enigmaticamente como surgira. Fantasmática, agourenta... Contudo, solícita.
Estendida como um pano de fundo atrás do palco de uma situação, correu para o lado, como cortina que se abre, desnudando, no entanto, apenas o vazio de uma parede branca.
Não se via nessa imagem, corpo, senão a mortalha vaporosa e negra. A cabeça era notável, entretanto, como a de toda ave de rapina.
Talvez toda ela fosse nada mais que uma sombra, mesmo. Uma imagem projetada na parede, assim como uma figura do incosciente obscuro projetada na imaginação. Como um corvo que posasse na janela e tivesse a sua sombra espargida, espirrada, muitas vezes ampliada, de forma assustadora, espectral, na parede contralateral, pela luz tênue da lua. E depois, voasse para a escuridão sem deixar rastros e sem mais explicação. Só o eco de um canto que ficou a martelar o ar.
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Um comentário:
Incrível. A densidade léxica da narrativa, abarrotada de adjetivos e múltiplas descrições dá sentido à personagem. A personagem vaza pela metalinguagem, e o texto se torna a persona. O texto é pesado, é uma mortalha, é a personagem letrificada.
Eu também gosto de fazer isso, de apenas criar personagens, sem necessáriamente lançar uma questão tramática. Há um lugar e uma ação, mas o foco de tudo é a construção da personagem. Bacana.
E percebe-se que não há idiliografia (quimeragrafia?). Há construção.
Foda.
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