__Doutor, fale a verdade... ele não volta mais, né?
__ Como assim?
__ Eu tô aqui tem mais de um mês e esse homem nunca voltou a si...
__ Ele está apenas sedado.
__Por tanto tempo?
__Escute, eu não posso ficar dando satisfações do quadro dos outros pacientes pra o senhor!
__ Eu sei. Sigilo profissional, né doutor? Mas eu já tô íntimo dele. Vejo ele pelado todo dia, quando dão banho de leito nele... Pode falar comigo. Eu já peguei afeto por esse coitado aí...
__ Ele precisa ser sedado por ordem do psiquiatra. Parece que ele tentou se suicidar algumas vezes.
__ Mas não diga, doutor!... Que coisa, hein? Quem diria? Parece um homem tão distinto e tão forte!
__É, e de boa família.
O médico terminou suas prescrições e se retirou.
Mas o seu vizinho de leito ficou muito encafifado com aquela história.
__ Mas homem de Deus, como é que pode? Então eu tô aqui com essa perna quase podre, o coração ameaçado; pobre, sozinho e doido pra viver, e esse aí com saúde, família e boa fama, querendo se matar? Que mundo é esse?
A noite que se seguiu àquele dia parecia não ter fim... Uma angústia se apoderava daquele paciente... O sono não vinha, o peito parecia opresso... E ele a cismar com a história do vizinho adormecido.
Na manhã seguinte a enfermeira entrou na enfermaria acompanhando o médico e explicando-lhe que tivera que chamar o plantonista da noite para atender a uma intercorrência. O paciente do leito 21 tivera um infarto fulminante e fora a óbito a despeito dos muitos esforços para reanimá-lo.
__ E aquele paciente? O que ele faz acordado e... comendo?
__ Ah, doutor, a correria foi tão grande por causa da emergência de seu vizinho de leito que nós atrasamos a sua dose noturna de sedativo e ele despertou, assistindo a parte dos procedimentos de ressussitação do paciente do 21. Quando fomos medicá-lo ele disse que não queria mais receber sedativos, pediu para se alimentar por via oral e quer a visita do psiquiatra para pedir alta hospitalar. Parece que se sente muito bem disposto e animado.
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Um comentário:
Cara, que doido!
Surge uma impressão de que no fim, ambas as personagens compartilhavam um só sopro de vida.
Gostei muito, aliás também por se passar num ambiente tão familiar à contista. A realidade transparece por causa da experiência.
Ótimo.
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