quinta-feira, 21 de abril de 2011

Kafkamente

Intrigava-me sobremodo a subserviência de uma sociedade dita pós moderna, a certas regras socais ou leis coercivas. Refiro-me à sumissão do paulista, espeialmente, a filas muitas vezes desnecessárias ou excessivamente lentas e longas. Cito como exemplo um caso que eu mesma presenciei: estava sentada no lobby de um shopping quando vi se formar uma fila gigantesca numa das máquinas automáticas de pagamento do estacionamento. Como a fila não andava e só aumentava, aproximei-me, discretamente, da máquina para ver o que acontecia. Fiquei estupefacta ao constatar que um jovem tentava repetidamente efetuar o seu pagamento sem se dar conta de que a máquina estava inativa e que, pasmem! havia um cartaz em seu visor indicando que não funcionava!
Da mesma forma, fico impressionada em ver como todos se adequam a leis como: usar cadeirinhas de segurança nos carros, mesmo que vc tenha quatro filhos na faixa etária que exija o uso das mesmas! Ou continuar pagando multas de trânsito por ultrapassar em 10km/h a velocidade e ser pego por um radar móvel cuidadosamente camuflado! Ou não fumar em bares, mesmo em áreas restritas. Bares são, por excelência, lugares para fumar!
Só posso deduzir que, tendo as formas de poder tradicional e carismático arrefecido em sua capacidade de dominação, as leis tenham alçado um status de verdade absoluta e inquestionável. Ou seja, a sociedade perece viver hoje um fenômeno de aquiescência no qual o heroísmo, o espírito revolucionário e até mesmo a capacidade de questionar com profundidade filosófica cederam espaço a um estoicismo civilizado que transforma a todos em cordeirinhos enfileirados para pagar por crimes que não cometeram, ou levar tributos a um poder difuso, num sistema complexo e disfuncional, mas tão emaranhado que é melhor obedecer e desaparecer na multidão, do que desafiar ou inflingir. Então surge um fenômeno secundário: crimes hediondos que revelam a faceta mais cruel do sistema: a sociedade espezinhada por milhões de pequenas regras e taxas e códigos, e iludida por infinitas promessas de prazer e lucro produz comportamentos esquizos ou francamente psicóticos na pessoa de_geralmente_ jovens que, não reconhecendo qualquer forma de poder legítimo, desconhecem limites e promovem massacres chocantes não apenas por seu poder de destruição e requintes de crueldade, mas, sobretudo, por seu despropósito.
Cito ainda outro caso que muito me intriga e deixa indignada: na minha profissão há procedimentos necessários para que o governo autorize e conceda aos beneficiários do SUS, medicamentos de alto custo. Ocorre que esses procedimentos incluem a realização de uma série de exames laboratoriais a cada três meses, que são absoluta e completamente desnecessários, invasivos e excessivos... mas que devem ser lucrativos para os laboratórios licitados. E mesmo um especialista atestando de que são desnecessários, tais exames precisam ser realizados, ou o paciente não receberá o benefício. E não há como ter acesso aos órgãos competentes! Não há telefones de acesso, não há discussão ou forum que permita uma racionalização das medidas impostas. Trata-se de uma forma de dominação perigosamente oculta em burocracias indecifráveis.
E assim caminhamos.

2 comentários:

Zélia Gadelha disse...

Boa noite Lírica!
Da cominidade Café filosófico das Quatro, segui todo um caminho e vim parar aqui! Onde encontrei um misto de questionamentos, poesias, expontaneidade, sensibilidade, sabedoria... Adorei o blog e já estou a te seguir!

Bjusss

Lírica disse...

Valeu, Zélia! Nunca mais apareci no Café... Mas apareça sempre por aqui. Fico honrada. Bjs.