Entrou em minha sala com o rosto emaciado e os olhos lacrimejando, congestos e pequenos. Tremia como se estivesse febril. Era jovem, alto e forte. No entanto estava frágil como uma criança diante de mim. Fitei-o curiosa ao perceber rolar-lhe uma lágrima pela face. Mal podia falar, a voz entrecortada, hesitante. Não era febre. Não tinha dor. Ao menos não dor física. Disse sentir-se fraco, mas era por se sentir profundamente pesaroso. Culpado. Sentia-se culpado. Precisava ir visitar a mãe e conversar com alguns amigos de sua confiança. Buscar conselho. Não poderia trabalhar naquelas condições. Não quis falar mais. Por via das dúvidas, examinei-o, como era cabível e devia-se esperar, mas disse-lhe que não poderia dar-lhe um atestado de doença com aquela justificativa. Ele assentiu com a cabeça e se retirou.
Lembro-me de tê-la conhecido quando criança, mas vinha agora muito diferente, já adulta, embora os olhos mantivessem uma expressão ao mesmo tempo infantil e perspicaz. Chegou sorridente, porém tímida. Sentou-se à minha frente e falou de sua doença de uma maneira muito técnica como se eu devesse saber de tudo antes mesmo de perguntar. Foi rápida e objetiva, respondeu a tudo, acatou a todas as orientações e despediu-se cordata, deixando-me, contudo com uma amarga sensação de frustração. Como se eu a tivesse visto e não reconhecido. Ela pedia ajuda e não se deixava alcançar...
Ele era um homem vibrante, talentoso, carismático e gentil. Mesmo agora, tantos anos depois, seu olhar se mantem meigo e seus modos elegantes. No entanto não pude deixar de perceber certo pesar em seus olhos. Como se uma nuvem pesasse sobre seu semblante. Ainda que sorrisse, era triste. De uma tristeza vaga e profunda. Antiga. Ouvia-me atentamente, falava mansamente e cativava-me com sua sinceridade. Por sua expressão, eu podia julgá-lo bem próximo, no entanto deixou-me com a firme certeza de que não fizemos mais do que um contato formal. Tudo acabou assim, depois de breves minutos de uma conversa franca que resumira mais de uma década, mas que evaporara assim que nos demos as costas.
Essa jovem senhora é um exemplo de disciplina e zelo pela saúde. Por isso não se conforma em ter uma doença crônica que requer tratamento vitalício, ainda que não se trate de nada grave. Por mil maneiras tenta driblar o diagnóstico ou prover-se uma cura inédita. É notória a sua decepção quando seus exames constatam que a patologia persiste a despeito de seus esforços por meio de terapias alternativas, exercícios diários e uma dieta impecável. Resignada, no entanto, dobra, cuidadosamente, os envelopes de exames e a receita, sorri para mim e agradece elegantemente, desculapando-se, simultaneamente, pela tolice de crer que pudesse livrar-se por seus meios, do diagnóstico e do tratamento. Dispendemos algum tempo em frivolidades, disfarçando nosso mútuo mal estar e despedimo-nos até a próxima consulta.
Ela se coçava, esfregando as mãos fechadas pelo colo e pescoço. Cumprimentou-me brevemente e sentou-se. Deveria desligar-se do trabalho após um período predeterminado por contrato. Não sabia exatamente ao que se devia sua alergia, mas notara seu surgimento desde que ingressara na empresa. Contava agora trinta e sete anos. Era de aparência precária, tanto em beleza, quanto em higiene e mesmo em expressão de inteligência. No entanto, era gentil. No decorrer de nossa conversa deixou escapar que abandonara o uso de contraceptivo havia três meses e, imediatamente emendou dizendo que estava sendo demitida, mas que recorreria caso viesse a constatar gravidez. Esta mulher provavelmente estava disposta a se submeter a uma gestação de alto risco_ pela sua idade_ para continuar trabalhando num ambiente insalubre, a fim de garantir direitos que na verdade não tinha, já que seu contrato era temporário. E ela me olhava com a tranquilidade de quem tinha a batalha ganha. Olhava com certo desdém para a receita em que eu prescrevera um anti-alérgico, continuava a coçar-se, depois levantou da cadeira e despediu-se reticente.
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