quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Lembranças

De repente eu estava bem no meio daquela sala. A luz entrava suave pelas enormes portas abertas em bandas para a paisagem bucólica após a sacada em arabescos com parapeito bizotado de madeira de lei.
Não havia sons que eu pudesse perceber, mas um cheiro quente e doce vinha de algum lugar. Era o aroma de cravo misturado ao de ambrosia. Deviam ser umas três da tarde. Madorna depois da moqueca de peixe com feijão de corda, regada a licor de jenipapo e finalizada por doce de caju.
O piso taboado acariciava os meus pés enquanto eu ocilava na grande e velha cadeira de balanço, o olhar vagando em volta.
Não era a minha casa. Mas eu me sentia inteira no meu elemento. Era mais que a minha casa. Era a casa dos meus sonhos. Seus cheiros, suas cores e dimensões... suas histórias e sólidas tradições. Sobretudo a bondade dos que a habitavam. Ali bem podia ser o céu.
Então eu já estive no céu! Onde as janelas dão pra o infinito, onde parecemos pisar sobre nuvens, onde todos são amigáveis e há um patriarca todo bondade e poder a quem todos reverenciam. Onde sofás enormes de couro macio e poltronas de palhinha se reúnem em torno de uma mesa de centro com toalhinha alva de crochê e um singelo vaso de flores. Onde há cristaleiras, compotas e sorrisos. Onde os quartos têm mosquiteiros pendendo das grandes cabeceiras de Jacarandá e os travesseiros evolam Marcela e Patchouli.
Era a casa dos meus padrinhos. Ou o que me lembro dela, de tempos remotos. E dela eu só tenho as imagens guardadas pelos meus olhos infantis. Tudo guardado num silêncio contemplativo e mágico.

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